Dizem que tudo na vida começa com uma ideia que se alimenta de uma vontade imensa. Bem, no meu caso começou com uma piada. Dizia em jeito de brincadeira que me demitia e ia mas é fazer voluntariado. Passado um par de meses estava a fazer a mala para embarcar para Itália durante 8 meses. Tinha a sensação que deveria rasgar com tudo, e fazer algo completamente novo. Algo que me ajudasse a crescer mais. E útil, sim, útil. Queria algo que tivesse na sua grandiosidade, tudo que pode vir de bom e mau. Pareceu-me ideal o conceito de ir para o estrangeiro, fazer um monte de trabalhos que nunca tinha feito ou pensado em fazer. Fui parar numa aldeia pequena, com 700 habitantes. Metade eram velhotes outra metade, imigrantes. E este lugar ficará para sempre no meu coração como o melhor local onde já vivi. Fontigo é o seu nome. Fica ao lado do Piave, o rio sagrado para os Italianos que nasce bem alto nas montanhas alpinas e que reza a lenda, ajudou os italianos a vencer a 1º Guerra Mundial. É um rio de beleza absoluta, faz lembrar aqueles que via nos filmes americanos que se passavam no Alasca. A 5 minutos de bicicleta, estávamos em Fontane Bianche, a nossa área natural. E a outros 5, na Isola dei Morti, um parque em memória aos caídos na 1º grande guerra. Fontigo tem apenas a pizzaria do Stefano, a mercearia do Romeo e a pasteleira do Hermes como negócios. E embora não houvesse aparentemente nada a fazer, oh! se não tinha tantos sítios lindos à minha beira onde passar o meu tempo calmamente. Lembro-me muito bem do dia em que cheguei a Itália. Aterrei no aeroporto de Veneza, já se fazia escuro. Apanhei depois um autocarro e um comboio para chegar à estação mais perto de onde ficaria e onde estava a minha tutora à espera. Chovia e já era de noite. Cheguei à “Villa Aida”, aquela que seria a minha casa nos próximos 8 meses. Era enorme, velha. Tinha umas escadas estreitas e longuíssimas que levavam ao frio do andar de cima. Meu deus, aquela casa seria a minha nos próximos meses. Hoje, depois de ter acabado o meu SVE, a “Villa Aida” é aquela casa grande, onde todos tivemos o nosso espaço e tivemos oportunidade de colocá-la ao nosso gosto. Foi a Villa Aida com um jardim onde podíamos almoçar ao sol, onde viramos jardineiros e agricultores pela primeira vez na nossa vida. Foi a casa de janelas abertas, que deixava a luz e o ar fresco das montanhas que se viam lá ao fundo entrar. Foi o local onde me punha à janela do meu quarto para apanhar a wi fi da comunidade, enquanto era cumprimentado pelas pessoas que passavam na rua e que, aqui e ali, paravam para falar comigo. Durante 8 meses, nunca me faltou nada. Tive uma casa com tudo o que precisei. Bem, quanto ao meu SVE. Fi-lo com a Legambiente Sernaglia. Era como eu queria um projeto ambiental. Desenvolvendo-se muito sobre a área da educação ambiental, trabalhamos maioritariamente com crianças. Fomos até às escolas onde fazíamos jogos com eles, onde fazíamos laboratórios criativos, sempre sobre a temática ambiental. Tínhamos também a nossa área natural, a qual tratávamos, Il Oasi delle Fontane Bianche. É uma área verde, de águas surgentes de uma transparência incrível. Limpar os trajetos e manter as pontes em bom estado eram alguns dos trabalhos de sistematização. Depois, tínhamos dentro do projeto, cada um de nós, pois eramos 3 voluntários europeus (Espanha, Rússia e Portugal), um projeto pessoal, que cada um tinha a liberdade de escolher e propor à associação. Sendo formado em comunicação, dei sempre uma ajuda nesta área à Legambiente. E hoje, à distância, continuo a fazê-lo. Os italianos não são assim tão diferentes de nós. Já o sabia e não esperava um choque cultural grande. O que me surpreendeu foi encontrar um país completamente diferente do que pensava. O estilo de vida e a cultura em Itália é tão diferente de região para região. Por exemplo, o norte de Itália, que era onde estava, é a região responsável por manter a economia do país viva, as pessoas têm uma cultura, embora italianas, que faz lembrar em muitas coisas os alemães. Aquela ideia do Italiano moreno, descontraído a cantar o “sole mio” à beira mar, depois de um passeio de vespa, até pode ser verdade, mas mais lá para baixo. Lá no norte, são tantos loiros de olhos claros com um gosto imenso pelo trabalho, que é impossível não fazer lembrar os países mais a norte. Talvez o melhor exemplo que se pode dar para mostrar a diversidade e o belo caos que é aquele país é a língua. O italiano é a segunda língua da maioria dos adultos italianos. Cada região, para não dizer mesmo cada cidade, têm o seu próprio dialeto que pode ser por vezes surpreendentemente diferente do italiano padrão. Por falar na língua. Em 2 meses já entendia bem italiano. Em 3 já falava suficientemente bem para manter uma conversa fluída. Uma das maiores vantagens de um voluntario europeu é poder aprender uma nova língua, vivendo entre aqueles que a falam e com o acompanhamento de um professor que o ajude na evolução. Não posso dizer que a minha experiência foi um mar de rosas. Existiram problemas. Mas daqueles que fazem aprender e crescer. Caso contrário fica-se para trás e não se aproveita tudo o que isto possa dar. A gestão de conflitos entre personalidades e culturas diferentes, as saudades de casa, a desorganização ou o imprevisto que são inerentes a uma ONG e viver num meio muito pequeno, são assim de repente aqueles problemas que me lembro. À parte os problemas, haviam os desafios. E com isto surpreendia-me constantemente. Nunca pensei gostar tanto de trabalhar com crianças, mas quando fiz o primeiro campo de férias com elas, tiraram de mim o que de melhor posso oferecer, enchendo-me o coração todos os dias (e claro a paciência de vez em quando). Foi capaz de produzir a própria comida, e cultivei a minha primeira horta lá em Itália. Deu-me um trabalho do caraças, que nunca teria a disponibilidade mental para o fazer no meu antigo estilo de vida, mas que depois encheu-me de orgulho vê-la crescer. No último mês, pediram-me para iniciar lições de português. E não é que até ensinar eu gosto afinal? De todos os desafios que tive no meu SVE, uma ideia se cimentou acima de tudo: tenho vontade, posso aprender e então depois, posso fazer. Podia continuar aqui com tantas coisas, mas ficamos-nos por aqui, deixando a curiosidade para aqueles que se querem mandar numa aventura assim. Coisas bonitas que o SVE te dá. Viajar. Conhecer sítios lindíssimos. Vi tanta coisa em Itália. As grandes cidades, as obras de arte, a natureza e as personagens insólitas que tanto conheci por aqui. Se tivesse de escolher uma só coisa, aquela que me continua mais a marcar é a gentileza da gente para com nós, voluntários. Tu mandas-te para um programa de voluntariado, pensando que serás tu o altruísta, o bom samaritano e no fim, és inundado por tanta boa vontade que em mim só fez crescer um senso de responsabilidade e vontade em retribui-la sempre que possa. Estiveram sempre prontos a ajudar-nos. Levaram-nos a passear, fizeram das suas casas a nossa, ensinaram-nos a cozinhar à italiana, trouxeram-nos frutas e legumes, arranjaram sempre maneira de nos dar boleia para qualquer parte e encheram-nos de vaidade, dizendo que somos “ragazzi bravissimi”. Eu nunca pensei ser alvo de tamanha boa-vontade. Queria fazer o SVE para mim, mas toda a gente se junta a ti, e torna-se de todos. É lindo de se viver. Eu sei que tive sorte na escolha do meu projeto. Conheci outros voluntários que não tiveram sorte igual. Contudo, não encontrei até agora um desapontado com o seu projeto. E já conheci perto de uma centena, só na Itália. Fica aqui o meu conselho para aqueles que estão a pensar em lançar-se num SVE: informa-te. Fala com antigos voluntários da associação onde queres ir, esclarece todas as tuas dúvidas na entrevista pelo skype, até aquelas mais ridículas (lembra-te que vais para fora sozinho, por isso não tenhas vergonha), e por amor de Deus, quando estiveres a viver o teu SVE, faz-te à vida e não sejas um palerma incapaz de criar as próprias oportunidades ou de aceitar os desafios que te chegam. Não te aproveites da boa vontade com a qual te possam brindar e nunca te esqueças que és um voluntário, tens responsabilidade social, não vais fazer férias. Resumir a experiência, é difícil. Posso-te dizer o que disse ao Beppe, um senhor que ri com os olhos, e o qual víamos como um dos nossos mentores: “É uma experiência belíssima. Em tudo o que tem de bom ou mau. Faz-te viver tanto. Vês e aprendes tantas coisas num espaço tão curto de tempo. Sinto-me afortunado por ter tido esta oportunidade. Valeu por tudo”. O que vem depois do SVE, ainda estou para descobrir, mas como disse e bem o Stefano da pizzaria: “Queres que esteja triste por ires embora? Não estou. Este foi o teu tempo aqui, viveste o que tinhas a viver. Agora é seguir com um novo desafio. Podes ver mais, em: https://www.instagram.com/jfrmoreira/ https://pt.linkedin.com/in/fromplutowithlove